Vamos direto ao que interessa nesta sexta-feira de Carnaval: entre os quase 600 blocos, quais realmente valem a pena para curtir a folia em BH?
Com que bloco eu vou?
Este boletim capivaresco ouviu quatro belo-horizontinos que entendem do assunto e pediu a eles sugestões de programação até quarta-feira.
Sexta-feira
Para começar o carnaval do jeito certo, a dica do jornalista, produtor cultural e idealizador do Almanaque do Samba, Zu Moreira, é colar no OriSamba. O bloco completa 10 anos neste carnaval e se concentra hoje, a partir das 19h, na rua Fagundes Varela, na vila Senhor dos Passos, em frente a Casa Pai Jacob do Oriente — terreiro de Umbanda fundado em 1966. A origem do bloco está justamente no terreiro, o que garante música boa e muito axé.
Para quem é da madrugada, a melhor pedida desta sexta-feira é o Bloco Fúnebre, que que se reúne às 23h na praça da Bandeira e desce a avenida Afonso Pena. O bloco traz como tema a obra Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.
“É sempre lindo, com as pessoas iluminadas, vestidas de calaveras remetendo à morte alegre do México. Só que desta vez com a temática da caatinga, do Brasil”, explica a artista Lívia Aguiar, autora da newsletter À toa pelo mundo e de um perfil de instagram cujos stories sempre trazem uma galeria quente do miolo suado dos blocos.
Segundo o jornalista e pesquisador da cultura urbana em BH, Artênius Daniel, é provável que, neste ano, o final do bloco emende com o início do imenso (e abarrotado!) Então, Brilha!, que terá a participação de Duda Beat e sai às 5h (isso mesmo, cinco da manhã) na esquina de avenida do Contorno com rua Curitiba, no centrão.
O bom de chegar bem cedo e ver os primeiros raios de sol, segundo Artênius — que também é músico e autor do projeto BH Anos 10 —, é que se aproveita a melhor parte do bloco, antes da multidão tomar conta da avenida por volta de 8h deixar tudo quase insuportável.
Gente é para brilhar, não para morrer de sono
Sábado
“Gosto de chegar cedo no Então, Brilha! para curtir a largada do carnaval”, diz a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL). Outra dica da deputada, que também desfila no sábado, é o bloco Tchanzinho Zona Norte. O Tchanzinho deixou a zona norte e as noites de sexta-feira para migrar para a região central nas manhãs de sábado. Neste ano, sai às 8h, na avenida dos Andradas.
Se você não curte bloco desfilando em avenida com trio elétrico e uma vibe meio carnaval de Salvador, é melhor colar no bloco da Praia da Estação. O bloco da Praia é como curva de rio: reúne os estropiados dos efeitos dos blocos matutinos. Todos partem da Praça da Estação zanzando sem muitas regras pelo centro da cidade.
O bloco da Praia é a dica tanto de Lívia quanto de Artênius. A Praia da Estação está na gênese do movimento que, há mais de 15 anos, reivindicou o direito a usar a cidade com fortes protestos políticos contra o então prefeito Márcio Lacerda (PSB).
Lívia destaca que o tom de protesto permanece, com foliões levando cartazes e uma estética carnavalesca que combina sátira política com corpos à vontade em biquínis e sungas.
Zu Moreira — que muitos conhecem da televisão, pois é repórter do Rolê das Gerais, na TV Globo — recomenda o bloco Seu Vizinho, criado há 10 anos no Aglomerado da Serra. “Nos armamos, sim: de tambor e tamborim. Nossa arma é o batuque, nossa bala é a poesia!”, diz o lema do bloco, que se concentra às 11h, na avenida Mem de Sá, 1882, perto do canão. Neste ano, o Seu Vizinho homenageia a escritora Conceição Evaristo.
Disfarça e chora
Respire fundo antes de continuar a programação de Carnaval — é hora de uma breve pausa. A pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta quinta-feira (27), trouxe as intenções de voto para o governo de Minas Gerais nas eleições de 2026.
Cleitinho (Republicanos) – 33%
Alexandre Kalil (PSD) – 16%
Rodrigo Pacheco (PSD) – 8%
Mateus Simões (Novo) – 4%
Indecisos – 18%
Branco/Nulo/Não vai votar – 21%
O levantamento ouviu 1.482 eleitores entre os dias 19 e 23 de fevereiro, a pedido da Genial Investimentos. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95%.
Campanha antecipada
Tanto o PT quanto a deputada estadual Lohanna França (PV) denunciaram o governador Romeu Zema (Novo) ao Ministério Público Eleitoral por abuso de poder político.
Durante um evento oficial do governo, no qual anunciava a liberação de R$ 400 milhões para prefeitos, Zema pediu votos para seu vice, Mateus Simões, que é pré-candidato.
“Para que isso continue, tenho falado sempre que precisamos de uma sucessão bem definida, e o meu braço direito tem sido o professor Mateus, que eu espero que possa me suceder”, disse o governador na ocasião.
Domingo
Os especialistas na folia recomendam dois blocos distintos para domingo de carnaval. O escolhido, tanto por Lívia quanto por Artênius, é o Tico Tico Serra Copo, um dos pioneiros da folia contemporânea de BH, que foi as ruas pela primeira vez em 2009. Neste ano, o bloco sairá nas margens do ribeirão do Onça, no bairro Ribeiro de Abreu, em uma campanha para pressionar a Copasa a limpar o rio.
Lívia recorda que, na primeira vez que o bloco passou por lá, uma grade separava a rua do ribeirão. Na segunda, um parque começava a nascer, com mudas recém-plantadas. Agora, o parque foi inaugurado por meio de uma ação da comunidade. “Nenhuma capital brasileira tem uma cachoeira tão grande. Está poluída, mas é possível despoluir, e o bloco faz parte desse movimento”, explica Artênius.
Já Zu Moreira recomenda o Todo mundo cabe no mundo, bloco que celebra a inclusão e a diversidade idealizado pelo artista Marcelo Xavier. A concentração será às 9h, na rua Piauí, 631, no bairro Santa Efigênia.
Segunda
O Unidos do Barro Preto se concentra às 11h na esquina da avenida Augusto de Lima com a rua Tenente Brito Melo. “É um bloco que toca de tudo, mas homenageia o Mangue Beat”, define Artênius. A deputada Bella Gonçalves detalha a escolha: “É um bloco essencial, que eu ajudo a segurar a corda e vou para ficar derretendo”. Muitos, inclusive, lambuzam o corpo de lama.
Outro pioneiro de BH, o Filhos de Tcha Tcha percorre as ladeiras e vielas do Concórdia. “Adoro o final do Tcha Tcha no terreiro”, diz Livia, referindo-se à chegada do bloco ao Terreiro Treze de Maio, na rua Jataí, 1309. Caso tenha energia para acordar cedo, antes disso ela pretende passar no Estagiários Brass Band, bloco com naipe de sopros afiadissimo, que sai da praça Floriano Peixoto.
A dica de Zu Moreira é mais raiz : acompanhar o desfile dos blocos caricatos, que acontece a partir das 18h, na passarela montada na avenida dos Andradas, na Praça da Estação. “É a manifestação cultural mais antiga da cidade. São nove blocos, sendo seis no grupo principal e três no grupo de acesso”, explica. Depois dos blocos, as escolas de samba do grupo de acesso entram na avenida, às 2h15.
Terça-feira
O bloco mais sapatão de BH, a Truck do Desejo, desfila às 9h, na rua Y, no bairro União. “É onde a gente pode se sentir segura, em casa, e paquerar de uma forma muito gostosa e respeitosa”, define a deputada Bella Gonçalves. Para Lívia, além desse clima acolhedor, é um bloco onde os ouvidos podem descansar das marchinhas e escutar um repertório diferente, executado pela banda da Truck do Desejo.
A dica de Artênius também traz uma sonoridade especial. É o novato Açaí Guardiã, bloco que estreia neste ano e homenageia Djavan. Com um time de músicos profissionais, incluindo Júlia Tizumba e Bruno (do Graveola) o bloco sai às 19h da rua Jequiriçá, 106, no bairro Concórdia.
O grande desfile das oito escolas de samba de BH começa às 19h na avenida dos Andradas, na Praça da Estação. A dica de Zu Moreira é acompanhar as alegorias e samba enredo das agremiações: Triunfo Barroco, Cidade Jardim, Estrela do Vale, Imperatriz de Venda Nova, Imperavi de Ouros, Acadêmicos de Venda Nova, Bem-Te-Vi e Canto da Alvorada até a madrugada da quarta-feira.
Quarta-feira
Lívia e Artênius vão colar no bloco do Manjericão, que ainda não divulgou onde vai desfilar. Um dos fundamentos do bloco é a legalização da maconha. O local e o horário seguem um mistério, mas até quarta-feira é provável que algum amigo maconheiro te envie as coordenadas. Não tem amigo maconheiro? Azar o seu.
Zu Moreira sugere dois blocos de origem afro que celebram a ancestralidade: o Magia Negra, que se concentra ao meio-dia na praça Gabriel Passos, Concórdia, e o Babadan Banda de Rua que também se reúne ao meio dia, na praça México, no mesmo bairro.
Voz rouca das ruas
É um absurdo o tal decreto
E se a Ambev curte um monopólio
Que faça monopólio
Do próprio reto
Os versos acima estão sendo entoados nos blocos que antecedem o carnaval. A voz rouca das ruas — ninguém fica rouco bebendo cerveja gelada no carnaval de Belo Horizonte, porque são vendidas mornas — ecoa o protesto contra o contrato de exclusividade da Belotur com a Ambev, firmado em troca de patrocínio para folia.
Na edição passada, esta Capivara de Paletó contou que a presidente da Belotur, Barbara Menucci, trabalhou no departamento de marketing da Ambev antes de assumir seu cargo no poder público.
Aliás, a presidente da Belotur esteve ao lado do prefeito em exercício de Belo Horizonte, Álvaro Damião (União), durante o desfile do bloco Chama o Síndico, na última quarta-feira. O prefeito bebia uma lata de Brahma.
Transição
Enquanto Damião curte o carnaval, o prefeito Fuad Noman (PSD) deve receber alta nos próximos dias, segundo apuração da Band Minas. Fuad deve deixar o hospital Mater Dei, onde está internado desde 4 de janeiro, e ser transferido para uma clínica particular, onde fará reabilitação para recuperar os movimentos das pernas e dos braços, afetados por uma neuropatia periférica — consequência do tratamento contra o câncer.
Vanguarda do atraso
Vereadores que integram a Frente parlamentar Cristã querem, logo após o carnaval, aprovar uma lei que restringe o trajeto dos blocos no entorno de templos e igrejas. Vão passar o carnaval recolhendo provas contra os blocos. A Frente Parlamentar Cristã é composta por 27 dos 41 vereadores e foi tema da Edição 13 deste boletim capivaresco.
Dicas de leitura
Quer saber como a família de Walter Salles, diretor de Ainda estou aqui, construiu um império bilionário que vai do café ao nióbio, passando pelo Itaú e até pelas Havaianas? Reportagem da BBC Brasil revela os bastidores dessa fortuna gigantesca.
Reportagem da Agência Pública expõe como o programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, tratou a tentativa de golpe no Brasil, revelando bastidores, discursos e conexões que ajudam a entender o papel da mídia na crise política.
A coluna de Fabiana Moraes na Gama Revista questiona como o termo identitário é usado para deslegitimar lutas por direitos, enquanto identidades dominantes seguem naturalizadas.
::Expurgo 14::
Por que ler Breve ato de descascar laranjas (2023 – Macabéa e 7letras - 127 páginas) de Bianca Monteiro Garcia
Quando Breve atos descascar laranjas chegou, ainda sem tempo para ler, passei os olhos pelo livro e me encantei com seu projeto gráfico. O design, as muitas fotos no interior e até a textura do papel são de muito bom gosto.
O livro ficou ali, azul, esperando seu momento.
E confesso: ao longo da leitura, reafirmei para mim mesma uma das poucas certezas que tenho sobre livros. Quando um livro de poesia é bom, fico querendo mais. E mais. E muito mais.
O livro está dividido em quatro blocos de poemas.
No primeiro deles, que tem como tema a morte do pai, Bianca transforma em versos extremamente criativos as situações cotidianas de quem vive o luto. Desde o primeiro impacto de quem fica — chegar à casa daquele que se foi e encontrar, por exemplo, o lençol ainda sobre a cama, o horário programado no despertador, o livro à cabeceira — até as tarefas burocráticas que contrastam com a dor: separar as roupas, cancelar contratos de serviços. A narradora faz uma lista de afazeres, mas sua mente e seu coração ainda estão tomados por aquela presença quente, que nunca mais estará ali.
A segunda parte dos poemas refere-se à avó do eu lírico. É impossível não sentir que, naqueles versos, estão também nossas próprias avós — seja pelo caderno de receitas, pelos detalhes da casa ou pelos sinais do corpo dessas mulheres, que, no curso natural do tempo, nos revelam em curvas, linhas e diagnósticos o caminho do fim.
A terceira parte da obra, intitulada manto, para mim, é, sem dúvidas, a melhor!
Aqui, uma curiosidade: o livro muda de cor. Se nos outros blocos as páginas são bege, com letras azuis, nesta parte as palavras ganham tom bege sobre fundo azul. Um detalhe gráfico que, por si só, já nos instiga.
Manto se inicia com uma citação de Maura Lopes Cançado — “uma cidade triste de uniformes azuis e jalecos brancos” — e tem como tema as internações psiquiátricas. Uma ou várias? Não sabemos.
Em cada poema desse bloco, Bianca traduz em versos não só a violência e a brutalidade dos tratamentos destinados a doenças mentais, mas também a luta do eu lírico para sobreviver a eles.
A humanidade se revela na relação da narradora com aqueles que dividem esse espaço: outros pacientes, médicos, enfermeiros. Até os bichos que vivem ou passam pelo hospital ou clínica psiquiátrica carregam algo profundamente humano.
Os poemas 71 flores no edredom, dedicado a Margaret Atwood, overthinking e limítrofe, dedicado à própria Maura Lopes Cançado, deixam claro como Bianca trabalhou seus versos de forma contemporânea, sem excesso de subjetividade. O leitor fica preso àquelas situações, mas com a cabeça livre para imaginar cada detalhe.
Quando terminei esse bloco, me veio imediatamente a marca que O perigo de estar lúcida, de Rosa Montero, deixou em mim. Só por essa terceira parte, Bianca já comprova o motivo pelo qual Breve ato de descascar laranjas mereceu o Prêmio Jabuti na categoria “Estreante – Poesia” de 2024.
A última parte do livro, núcleo, traz poemas igualmente bem escritos, agora sobre temas mais livres e pessoais do eu lírico. São versos que, mesmo tratando de solidão e do isolamento da pandemia, nos fazem sorrir pela criatividade de sua construção.
Breve ato de descascar laranjas pode ser um expurgo certeiro para quem não vai jogar o corpo pelas ruas quentes e maravilhosamente coloridas do Carnaval.
Mas também pode aliviar o cansaço e os efeitos da provável virose que virá após a quarta de cinzas.
Certeza somente é que 127 páginas é muito pouco, Bianca.