Ambev, ex-empregadora da presidente da Belotur, fatura exclusividade no Carnaval de BH
A exclusividade concedida à Ambev no Carnaval de Belo Horizonte tem gerado questionamentos e protestos de vendedores ambulantes. Pelo valor de R$ 5,9 milhões, a cervejaria se tornou patrocinadora do evento, garantindo o direito de vender suas bebidas sem concorrência em dez vias estratégicas da cidade, entre 28 de fevereiro e 4 de março.
O que levanta questionamentos é um detalhe: a presidente da Belotur, Bárbara Menucci, ocupou o cargo de chefe de marketing da Ambev por mais de quatro anos. Ela deixou a empresa em março de 2024 e, no mês seguinte, assumiu a presidência da Belotur.
Agora, em seu primeiro Carnaval à frente do órgão, sua ex-empregadora assegura um contrato de exclusividade em áreas-chave da festa. Para comparação, em São Paulo, o patrocínio da cervejaria foi de R$ 27,8 milhões — quase cinco vezes mais.
“A minha chegada à gestão pública vem com um olhar de que o setor privado é um parceiro estratégico do nosso Carnaval, e receber esse reconhecimento, nos posicionando ao lado das festas de grandes capitais do País, nos coloca em um circuito potente, fortalecendo ainda mais o evento com esse apoio”, afirmou Menucci em janeiro, ao anunciar o apoio da Ambev.
O Sindicato das Indústrias de Bebidas do Estado de Minas Gerais (Sindbebidas-MG) contesta a cláusula de exclusividade, alegando que ela fere a livre concorrência e prejudica centenas de comerciantes e as indústrias locais.
A vereadora Juhlia Santos (PSOL) solicitou informações sobre a legalidade do contrato firmado entre a Belotur e a Ambev. Ela também questionou se o Conselho Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor (Comdecon-BH) analisou o acordo antes de sua assinatura.
Procurada por esta Capivara de Paletó, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) defendeu a legalidade e transparência do contrato de exclusividade com a Ambev. Segundo a PBH, a empresa foi escolhida por meio de um chamamento público, aberto a diversos setores e não apenas a cervejarias.
No entanto, a Ambev foi a única interessada na cota de patrocínio "Apresenta", cujo valor mínimo era R$ 5 milhões. O município afirma que o processo seguiu os princípios da administração pública, como publicidade, impessoalidade e isonomia, e foi divulgado nos canais oficiais. A prefeitura também destaca que a exclusividade se aplica apenas às cervejas da Ambev, sem restrições a outras bebidas alcoólicas ou não alcoólicas.
Ou seja, Xeque-Mate, Gingibre e outras latinhas coloridas estão liberadas — mas, por favor, tenham juízo. Bebam muito água.
Limpeza de área
Donos de bares denunciam ações truculentas por parte da fiscalização municipal. De acordo com o BHAZ, fiscais ordenaram a retirada de ombrelones com marcas concorrentes da Ambev, alegando ausência de licença para publicidade em espaço público.
"Eu fui ameaçado. Eles disseram que iam me ferrar. Recolher o mobiliário sem uma notificação prévia extrapola qualquer limite", afirmou um comerciante ao BHAZ.
Em resposta às críticas, a Prefeitura de Belo Horizonte publicou um decreto estabelecendo novas regras, exigindo autorização da Belotur para eventos promocionais que não estejam vinculados ao patrocínio oficial do Carnaval.
“É importante perceber que uma marca global como a Ambev está alinhada ao nosso propósito de promover uma festa que busca ser melhor para o planeta, integrando as iniciativas relevantes e essenciais no atual contexto global”, declarou a presidente da Belotur ao anunciar o contrato com a Ambev, sua ex-empregadora.
Já para os catadores as latinhas…
A deferência dispensada pela prefeitura à Ambev — uma das maiores empresas do Brasil — não se estendeu aos catadores de materiais recicláveis. Os R$ 500 mil inicialmente prometidos para quatro cooperativas de catadores, dentro do projeto ReciclaBelô, foram colocados em risco pela contratação de uma empresa gestora terceirizada, que reduziria a diária paga aos catadores.
Só na pressão
Após a mobilização dos catadores, com apoio de vereadores de esquerda, a prefeitura recuou. Segundo a vereadora Cida Falabella (PSOL), as quatro cooperativas assinarão um aditivo com a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), garantindo um repasse inicial de R$ 250 mil, com o restante liberado após a prestação de contas. Além disso, as associações terão assegurados água, alimentação e equipamentos de proteção individual.
Água no chope
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) chegou a planejar uma festa para receber o presidente Lula (PT) na próxima terça-feira (25) no acampamento Quilombo Grande, em Campo do Meio (MG). Militantes do movimento mobilizaram apoiadores, organizando caravanas de Belo Horizonte para o Sul de Minas.
No entanto, o Planalto suspendeu a visita. Agora, a expectativa é que ocorra no fim de março. A resolução nº 87 do Incra, de 4 de dezembro de 2024, autorizou a desapropriação da área ocupada por 450 famílias desde 1998, mas a efetivação depende de um decreto presidencial. O MST espera que Lula assine o documento diretamente no território.
A área pertenceu à antiga Fazenda Ariadnópolis, onde funcionava uma usina de álcool e açúcar. Após a falência da usina em 1996, trabalhadores que não receberam suas verbas rescisórias ocuparam o local. Durante a pandemia de Covid-19, em 2020, a Polícia Militar de Minas Gerais, sob o comando do governador Romeu Zema (Novo), realizou uma operação de despejo que durou 56 horas e resultou na demolição de casas, lavouras e da Escola Popular Eduardo Galeano. A destruição da escola infantil gerou comoção nacional.
Abril vermelho
Se confirmado, o gesto de Lula seria um aceno ao MST e uma estratégia para conter uma nova onda de ocupações durante o “abril vermelho” — período em que o movimento intensifica suas ações em memória ao Massacre de Eldorado do Carajás, quando em 17 de abril de 1996, no sul do Pará, 21 trabalhadores rurais foram mortos pela polícia.
Putos da cara
O MST avalia que, até o momento, o atual governo não criou novos assentamentos nem desapropriou terras. “Não temos uma foto para mostrar”, disse Ceres Hadich, membro da coordenação nacional do movimento, à Repórter Brasil. O governo, por sua vez, afirma ter assentado 71 mil famílias no ano passado, mas o MST contesta.
A divergência se dá porque o movimento considera como efetivamente assentadas as famílias alocadas em terras novas, compradas ou desapropriadas, enquanto o governo coloca na conta a regularização de famílias que já estavam em lotes.
“Estamos putos da cara com a incompetência do governo”, declarou João Pedro Stédile, um dos fundadores e principais líderes do movimento, em entrevista que fiz com ele no final do ano passado.
Enquanto isso, a violência no campo continua. Em janeiro, dois militantes do MST, assentados em Tremembé (SP), foram assassinados e outros seis ficaram feridos. Conversei com uma das sobreviventes, Olga Bernardo, de 18 anos, a primeira criança nascida no assentamento Olga Benário. Na reportagem, ela compartilha um relato poderoso sobre o ataque e explica o motivo por trás da coincidência dos nomes.
Leia aqui: “A gente sai como o bandido da história”.
Ninguém solta a mão de ninguém
Poço de contradições
Enquanto a reforma agrária segue sem avanços, o presidente Lula concentra esforços em outra frente: pressionar fiscais do Ibama para liberar pesquisas da Petrobras na foz do rio Amazonas. Se há petróleo abundante na região, ainda não se sabe, mas uma coisa é certa — Lula já se encontra nas profundezas de um poço de contradições.
De um lado, quer se posicionar como líder da transição energética, usando a COP 30, em Belém, como vitrine. De outro, busca aproximação com a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), grupo formado por nações cuja economia depende da exploração de combustíveis fósseis.
Escrevi sobre isso nesta semana na minha coluna na Carta Capital.
Segue o jogo
Pesquisas recentes indicam queda na popularidade de Lula. No entanto, seu principal opositor, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segue inelegível até 2030 e enfrenta o risco de prisão. Na terça-feira (18), a Procuradoria-Geral da República apresentou denúncia contra Bolsonaro, movimentando o cenário eleitoral de 2026.
Compasso de espera
Pesquisas recentes, como as da Quaest e AtlasIntel, apontam o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos), como o nome mais competitivo contra Lula em um cenário sem Bolsonaro. Enquanto isso, Tarcísio segue fazendo gestos de lealdade ao ex-presidente, buscando evitar atritos com o bolsonarismo a mais de um ano e meio da disputa de 2026.
“Não fede nem cheira”
Nesta semana, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) afirmou em entrevista à Folha, que considera o governador de São Paulo o candidato mais forte da direita para 2026. Em outra entrevista, ele declarou que não torce para a atriz Fernanda Torres na disputa pelo Oscar: “Nem fede e nem cheira”. O parlamentar também comentou que nunca participou de um bloco de carnaval: “Isso (carnaval) nunca foi uma aventura para mim”.
Chupê tinha
Mesmo sem gostar de carnaval, o deputado foi o tema da marchinha de Bobô da Cuíca premiada em segundo lugar no concurso Mestre Jonas. Escute abaixo:
A Capivara foi ao culto do pai do Nikolas Ferreira, em Belo Horizonte. Está na edição 12 deste boletim.
Biruta desorientada
O governador mineiro Romeu Zema (Novo) também almeja a presidência, mas se saiu mal nas pesquisas. Sem espaço consolidado no bolsonarismo, parece indeciso entre se alinhar aos radicais ou manter a imagem de gestor privatizador, que prega eficiência enquanto come banana com casca.
A ignorância é uma benção
Não se pode dizer que Romeu Zema carece de experiência política — afinal, já soma mais de seis anos à frente do governo. Mas conhecimento é outra história. Ele já demonstrou ignorar a existência da escritora Adélia Prado. Ao receber um livro dela de presente em uma rádio, perguntou se ela trabalhava na emissora.
Embora não esteja na estante do governador, Adélia Prado foi homenageada nesta semana com o Prêmio Camões de Literatura, o mais importante da língua portuguesa. A conquista veio após o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, que reconhece autores pelo conjunto da obra.
Se você, como eu, sente aquele constrangimento alheio que dá até vontade de olhar para o lado, melhor não assistir ao vídeo do episódio na rádio de Divinópolis.
::Expurgo 13::
Por que ler Ressuscitar Mamutes (2024 – Autêntica Contemporânea - 119 páginas) de Silvana Tavano
Li uma resenha do Fernando Rinaldi no Estado de Minas sobre Ressuscitar Mamutes que me deixou em dúvida sobre escrever a respeito do livro.
Depois do texto do Fernando, tentei me convencer. Pensei, hesitei, até que me encorajei ouvindo Saiba, de Arnaldo Antunes. Certa de que os elementos quase universais do livro ressoam de forma única em cada leitor, concluí que sim, valia a pena escrever.
Afinal, se “(...) todo mundo foi neném / Einstein, Freud e Platão também / Hitler, Bush e Sadam Hussein”, talvez algo dito aqui desperte em alguém a vontade de ler.
Ressuscitar Mamutes é um livro bem fininho, mas que aborda temas imensos — o tempo, a memória, as percepções da infância, a experiência de ser ou ter uma mãe e a irmandade. A narrativa nos escancara como o abandono ou a doença podem definir os rumos da vida e como, ao revisitarmos o passado, nunca teremos certeza se um outro caminho teria sido possível.
Arrisco dizer que até mesmo quando o romance dialoga com a ciência, ele provoca cada leitor de um jeito único. Um exemplo disso é a menção ao projeto dos mamufantes — híbridos de mamutes e elefantes criados por cientistas para restaurar o ecossistema da Sibéria e conter as mudanças climáticas ao reduzir a emissão de dióxido de carbono.
O tempo é quase um protagonista do livro, ao lado da narradora, que perde a mãe de forma repentina e, a partir dessa ausência, parte para uma jornada entre passado e futuro.
O encontro dos pais dessa protagonista ainda jovens, seguido de um namoro e um casamento formal e padronizado, insere a obra em angústias corriqueiras, que nos aproximam dos personagens.
As memórias de infância da narradora são detalhadas não apenas como lembranças, mas como sensações revisitadas no presente. Pequenas sutilezas encantam, como a cena em que, ainda criança, ela vê sua avó sendo velada sobre a mesa da sala de jantar.
Silvana escreve sobre o simples e o profundo, costurando as experiências do passado, do presente e do futuro para mostrar que, talvez, o mesmo tempo que nos ilude seja o que nos edita — moldando atitudes e esculpindo nossa personalidade.
A ausência do pai, que, com o tempo, passa a ocupar um espaço maior na vida das mulheres da família, comove o leitor — seja pela percepção da criança sobre as angústias da mãe, seja pela indiferença silenciosa com que ele pavimenta o crescimento da narradora adulta.
Nos pegamos revisitando nosso próprio passado, como quando perdemos alguém ainda crianças e, já adultos, parados no trânsito, nos preguntamos o que teria sido da vida se aquela morte não tivesse ocorrido.
Mas o livro vai além — como se alguém, com pânico de avião, não saiba explicar se o medo realmente lhe pertence ou se é apenas o eco de uma memória de infância: aquela vez em que viu a mãe à beira da janela, no meio da madrugada, e teve a sensação de que ela poderia pular dali.
Silvana refina a narrativa ao intercalar artigos, citações artísticas e literárias, trechos de dicionários e ensaios — tudo inserido no momento certo, tornando a leitura instigante e emocionante.
Outro ponto alto da obra é o jogo criativo com os tempos verbais, que transporta os personagens por diferentes anos — 1949, 1962, 1981, 2004, 2024 e 2054. Foi assim que, em determinado momento, me vi parada diante do espelho do banheiro, com o livro aberto sobre a pia, escovando os dentes, sem querer parar de ler.
Adorei