Nesta semana, a Capivara foi à Câmara de BH para entender os rumos do PT e PSOL e ainda traz um tutorial de como descascar uma banana.
Sem cargos e sem bênçãos, a esquerda navega à deriva na Câmara de BH
O vereador Neném da Farmácia (Mobiliza) sobe à tribuna e lê um trecho do Salmo 16 da Bíblia: “Escutai minha prece, de lábios sem malícia”. Em seguida, pede a bênção divina e inicia a reunião do plenário da Câmara Municipal de Belo Horizonte, na última terça-feira (11).
Neném faz parte da Frente Parlamentar Cristã, composta por 27 dos 41 vereadores—o equivalente a 66% da legislatura. “Nosso manual de conduta é a Bíblia Sagrada”, afirma a presidente da frente, vereadora Flávia Borja (DC), que já articula medidas para evitar que blocos de Carnaval dificultem o acesso dos fiéis aos cultos.
Nenhum dos nove vereadores dos partidos de esquerda (PT, PSOL, PCdoB e PDT) integra a bancada cristã. Não por falta de fé, mas por divergirem da visão religiosa defendida pelo grupo. “Sou admiradora do Papa Francisco e considerei participar da frente cristã”, diz a vereadora Luiza Dulci (PT). No entanto, desistiu ao perceber que a interpretação de cristianismo da bancada divergia da sua.
Direita unida, esquerda dividida
Esta Capivara foi até a Câmara Municipal e conversou com parlamentares de esquerda para entender como pretendem se posicionar em uma legislatura que começa com uma direita e extrema-direita alinhadas, empunhando a Bíblia, e com um prefeito interino mais conservador que seu antecessor.
Álvaro Damião (União Brasil) assumiu o Executivo municipal após a internação de Fuad Noman (PSD), que trata um quadro de pneumonia desde o início de janeiro, após passar por tratamento oncológico.
“A gente reza todos os dias pela recuperação do prefeito Fuad”, diz o vereador Pedro Rousseff (PT). Sobrinho-neto da ex-presidente Dilma Rousseff, ele entende que Damião não é um político de esquerda nem de centro: “É de direita”.
Rousseff lembra que a relação com Fuad era mais harmônica, já que ele foi um dos poucos prefeitos de capitais a apoiar Lula (PT) em 2022. “Precisamos construir com ele (Damião), porque, se fecharmos a porta, ele pode encontrar uma aberta para ser abraçado pelo bolsonarismo”, alerta.
Outro ponto ressaltado por Rousseff é que os conservadores controlam a Comissão de Legislação e Justiça e, com isso, conseguem pautar os projetos que interessam ao grupo. O presidente da comissão é o vereador Uner Augusto (PL), que é também o vice-presidente da Frente Parlamentar Cristã.
A luta por espaço
Para Dulci, garantir a implementação do programa eleito nas urnas é essencial. A vereadora Cida Falabella (PSOL) concorda, mas reconhece que será uma travessia difícil. “O prefeito interino tem dialogado com vários setores, inclusive com a esquerda”, pondera a líder do PSOL, que está em seu terceiro mandato.
Falabella vê semelhanças entre o clima político atual e o de 2017, quando a extrema-direita ganhava força. Sobre a maioria conservadora unida em uma frente religiosa, defende a necessidade de um parlamento laico, que respeite todas as manifestações religiosas.
A vereadora também alerta que projetos que atacam direitos humanos podem ser aprovados na Câmara e, mesmo se vetados pelo prefeito, correm o risco de terem o veto derrubado pelo legislativo. “O caminho será recorrer à judicialização”, aponta.
Na primeira sessão do ano, um projeto de lei transfóbico foi aprovado em primeiro turno: a proposta de Flávia Borja que estabelece o sexo biológico como critério para participação em eventos esportivos na cidade. Foram 25 votos a favor, 11 contrários e 4 abstenções.
Na última terça-feira (11), os quatro vereadores do PT e as três do PSOL votaram para derrubar um veto de Fuad a um programa de fomento ao esporte. Dessa vez, a esquerda votou junto com a direita e extrema-direita, enviando um recado ao prefeito interino: cargos importam.
“Não somos oposição à PBH, mas também não somos situação”, afirma Pedro Patrus (PT), o mais experiente da bancada de esquerda, com quatro mandatos. Ele e seus colegas negam que tenham uma lista de cargos a serem reivindicados—mas, enquanto as nomeações não vêm, seguem como aqueles que não professam fé alguma: são almas em disputa.
Família Aro 2.0
Depois de comandar a articulação que garantiu a eleição da nova mesa diretora da Câmara Municipal com sua "Família Aro", o secretário de Estado da Casa Civil, Marcelo Aro (PP), ganhou ainda mais poder. Agora, por decisão do governador Romeu Zema (Novo), ele também assumirá a Secretaria de Governo, tornando-se o principal articulador político do Executivo junto aos deputados estaduais.
No vácuo
O antigo secretário de Governo, deputado estadual Gustavo Valadares (Mobiliza), deixou o cargo após Zema perder espaço e relevância na composição das comissões da Assembleia Legislativa. Valadares levou um olé do presidente da Casa, Tadeu Leite (MDB), que garantiu aliados nas comissões mais estratégicas, como Constituição e Justiça e Administração Pública.
Missão impossível
Agora, Aro terá o desafio de articular para aprovar a mudança na legislação que dispensa a necessidade de consulta popular para a privatização da Cemig e da Copasa. Com a atual configuração da Assembleia, a missão parece quase impossível. Além disso, ele precisará negociar projetos de lei para adequação ao Propag (Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados), aprovado pelo governo federal, que prevê a renegociação dos mais de R$ 165 bilhões de dívida de Minas Gerais com a União.
Sim, ele fez isso




Zema, pelo visto, tem abacaxis gigantes para descascar. Mas, nesta semana, o governador mostrou que ou tem um talento peculiar para ironia — ou simplesmente não sabe comer banana.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, o político do Novo apareceu comendo uma banana com casca, numa tentativa de zombar da declaração do presidente Lula (PT), que sugeriu que a população buscasse alternativas mais acessíveis diante do aumento dos preços dos alimentos.
Diante disso, vale lembrar que:
O Palácio Tiradentes, sede do governo na Cidade Administrativa, recebe semanalmente itens como presunto parma, palmito em conserva e vinho culinário, totalizando um gasto de R$ 6 mil por semana com hortifruti, conforme publicado pelo Estado de Minas.
Em 2023, o governo mineiro previu gastar até R$ 4,4 milhões na contratação de serviços para eventos, incluindo buffets de alto padrão com salgados finos, filé no palito, camarão e iscas de peixe, segundo o R7.
Zema deu carona ao filho no jatinho oficial do governo mineiro, revelou o UOL.
O governo mineiro investiu R$ 41 milhões para reformar uma estrada que leva ao sítio da família do governador, publicou O Globo.
Deixo aqui um vídeo-tutorial sobre como descascar uma banana.
E por fim, mas não menos importante, Zema aumentou o próprio salário em 300%.
Lenga-lenga
O presidente Lula (PT) voltou a defender a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e criticou a falta de autorização do Ibama para a realização de estudos de viabilidade técnica da área pela Petrobras. “O que não dá é para a gente ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo", disse Lula em entrevista à Rádio Diário FM, de Macapá.
Diante da declaração de Lula, segue a resposta que o analista ambiental do Ibama, Wallace Lopes postou nas redes sociais:
É realmente desmotivante e inadmissível que nós, servidores ambientais, depois de todo assédio e perseguição que sofremos no governo anterior, ainda tenhamos que explicar para um presidente que o Ibama é um órgão de Estado, um órgão técnico e não de governo. Já sabemos o que acontece quando há interferência política em decisões complexas que envolvem a vida das pessoas. Está aí, Mariana, Brumadinho, Balbina, Belo Monte, Transamazônica, BR-163, e tantas outras para nos servir de amostra. Essa pressão política é prejudicial para todos, especialmente para nós que estamos aqui tentando sempre dar o nosso melhor, mesmo dentro de uma instituição DELIBERADAMENTE mantida sucateada com falta de servidores e condições dignas de trabalho.
Lopes, que é diretor da Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), também publicou ontem, em O ECO, uma análise respeito da declaração do presidente Lula.
Nada é mais triste que o açougue do supermercado bairro
Nem bom dia
Depois de tentar ser vice de Zema e ensaiar uma pré-campanha a prefeito de BH frustrada, o jornalista Eduardo Costa agora sonha disputar uma vaga no Senado. Na próxima segunda-feira (17), ele estreia como apresentador de um jornal na TV Alterosa, ao lado de Renato Rios Neto, seu colega na Rádio Itatiaia.
No final de janeiro, Eduardo Costa perdeu o emprego na TV Band. Seu substituto foi justamente outro companheiro da Itatiaia, William Travassos, que já passou pela Rádio Jovem Pan, em São Paulo, e pela TV Record.
Travassos e Costa dividem os microfones nos comentários políticos do quadro Conversa de Redação, na Itatiaia. Esta Capivara apurou que, após ter o tapete puxado por Travassos, Costa sequer lhe dá bom dia.
Mais mudanças
Com a saída de Eduardo Costa, a Band promoveu uma verdadeira dança das cadeiras. O jornal que ele apresentava na hora do almoço passou para Marcos Maracanã, que, por sua vez, deixou o comando do Brasil Urgente Minas. O programa agora será conduzido por William Travassos.
Já Elisângela Colodetti, ex-TV Globo, foi demitida da apresentação do jornal da noite. Em seu lugar, entra Lucas Catta Prêta, que era âncora da BandNews e agora assume a apresentação e a gerência de jornalismo da TV, ocupando um posto que, por quase uma década, pertenceu a Fantine Godoy. Ela fez um acordo para deixar a emissora após voltar da licença-maternidade.
Não deixe de ler e ouvir
Manancial, a newsletter do jornalista e escritor Renan Marinho Sukevicius, que aborda literatura e direitos humanos. Craque dos podcasts, Renan é também um grande repórter e apresentador de rádio e televisão.
Nova música do Siba e a Fuloresta: A máquina de fazer festa.
Allan de Abreu revela na Piauí que o Cruzeiro lavou R$ 3 milhões do PCC ao comprar um jogador.
20 anos sem Dorothy
O assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang completou 20 anos na quarta-feira (12). No final de janeiro, revelei na Repórter Brasil que um pano cobria uma pintura em homenagem à sua memória, na igreja de Anapu (PA), onde ela foi assassinada. Dez dias após a publicação da reportagem, o bispo interveio e determinou que a imagem da religiosa fosse definitivamente descoberta.
Visitei Anapu algumas vezes e conversei com muitas pessoas que conviveram com Dorothy. Em uma dessas ocasiões, cheguei a dormir em uma rede estendida em um galpão, a poucos metros de sua sepultura — era o local menos inseguro para um jornalista pernoitar sem chamar a atenção dos ruralistas.
Nesta semana, relembrei esses episódios e destaquei a importância do legado de Dorothy em uma coluna publicada na Carta Capital. Se desejar aprofundar no assunto, assista ao vídeocast abaixo:
::Expurgo 12::
Por que ler Ombros Caídos Olhando para o Inferno (2017 – Urutau – 226 páginas), de Constança Guimarães?
O livro traz a história de Guta, Ana, Dora, Fátima e Suzane, cinco mulheres cujas vidas se entrelaçam pela experiência ou pelo convívio com um único homem que, na obra, em momento algum recebe um nome, mas que, por sua profissão, é tratado por Constança como “o Delegado”.
É a partir da forma como esse homem violentou cada uma dessas mulheres que a escritora constrói um suspense dramático, com personagens interessantes e uma trama surpreendente.
O livro começa por algo que seria, possivelmente, um fim — o de Guta —, que acorda de uma noite insone decidida a continuar vivendo. O leitor é instigado desde esse comecinho. A obra se desenrola, mantendo-nos sempre atentos e curiosos para saber não só o que teria ou irá acontecer com essa personagem, mas também o que a levou a essa decisão.
O resgate do passado dessas mulheres acontece por fatores que podem emergir de situações cotidianas, como, por exemplo, o fato de Ana ter contratado Dora para fazer a faxina na casa de sua irmã, Guta.
Mas o livro vai além. Ao narrar os detalhes da vida dessas mulheres, que pertencem a classes sociais diferentes, Constança consegue criar uma trama na qual o machismo e a misoginia — tão reais na vida de todas nós, mulheres — sustentam crimes marcados por violência física e psicológica, que, na maioria das vezes, não são denunciados nem apurados.
A construção do personagem do Delegado não contém exageros. Em vários momentos, conseguimos imaginar não só as nuances de seu corpo, mas também a perversão em seu sorriso, sua força física e seu cheiro.
Existe uma camada psicológica no livro que se refere a como cada delas vivencia os traumas e as dores das violências sofridas de maneira única. Isso agiganta os personagens da obra.
Algumas expressões ou palavras são repetidas no livro em momentos e tons que fazem com que a leitura — seja de um trecho dramático ou de mistério — nos atravesse fisicamente, como aquela sensação incômoda de estar em um ambiente com música muito alta, sentindo um aperto no peito, um retumbar desconfortante.
Micheliny Verunschk, escritora de quem sou muito fã, escreveu na orelha do livro que, ao ler Ombros Caídos Olhando para o Inferno, o pensamento — incômodo porque instigante — de Hannah Arendt, criadora do conceito da Banalidade do Mal, pairou sobre sua leitura.
Constança já escreveu outros livros, inclusive de contos e poesia, que gosto muito. Confesso, contudo, que fico ansiosa esperando seu próximo romance.