O ‘‘Partido Itatiaia’’ chega ao poder
Com a morte do prefeito Fuad Noman (PSD), quem assume o comando de Belo Horizonte é um grupo político ligado à rádio Itatiaia. O novo prefeito, Álvaro Damião (União Brasil), tem como principal conselheiro e articulador o deputado estadual João Vítor Xavier (Cidadania), que acumula os cargos de vice-presidente e apresentador da emissora.
Xavier foi fundamental para que Damião topasse trocar uma reeleição quase certa para vereador e se arriscasse a perder tudo como vice na chapa encabeçada por Fuad. À época da decisão, o cenário não era favorável, pois as pesquisas apontavam chances pequenas de vitória.
Presidente do partido Cidadania em Minas Gerais e com um microfone poderoso — o da Itatiaia —, Xavier tem bala na agulha para fazer apostas e acordos. Por isso, conseguiu convencer o colega, com quem trabalhou por mais de 20 anos no departamento esportivo da emissora, a topar ser o vice de Fuad.
Damião está licenciado do trabalho na rádio, mas segue fiel ao antigo chefe. Acompanha Xavier em agendas do parlamentar mesmo depois de ter assumido interinamente a prefeitura, enquanto Fuad estava internado.
Em fevereiro, o prefeito foi ciceroneado pelo deputado durante uma visita ao presidente da Assembleia Legislativa, Tadeu Leite (MDB). A conversa, segundo publicou O Fator, tinha o objetivo de ampliar o arco de alianças de Damião.
No mesmo dia, o deputado também levou o prefeito para um encontro com representantes da Santa Casa. Semanas antes, Damião havia visitado Xavier na sede da Itatiaia. “Estar na Itatiaia e com vocês é, e sempre será, uma grande alegria!”, escreveu o prefeito.
Além dos dois, outro onipresente em todos os encontros é o microfone vermelho da rádio. Onde eles estão, há sempre um repórter cobrindo para a emissora, que é líder de audiência.
Os dois também estiveram juntos com o prefeito de Nova Lima e, na semana passada, viajaram para São Paulo para participar da festa de aniversário de cinco anos da CNN Brasil, quando posaram ao lado do patrão: Rubens Menin, dono da Itatiaia, da construtora MRV, do banco Inter e do canal de TV CNN Brasil, que apostou para valer na eleição de Fuad.
Aliás, Menin é um contumaz financiador de campanhas. Somadas as quantias doadas por ele e por familiares, o volume chega a R$ 9,1 milhões, considerando as últimas cinco campanhas eleitorais e diversas candidaturas apoiadas.
O filho de Menin, por exemplo, doou R$ 500 mil para a candidatura de Xavier, quando ele tentou ser prefeito, em 2020. Não teve sucesso e terminou a disputa em terceiro lugar, perdendo para a chapa formada por Alexandre Kalil e Fuad.
Aos 42 anos, Xavier disputou a primeira eleição aos 26, quando foi eleito vereador em Belo Horizonte. Ficou apenas metade do mandato na Câmara e subiu para deputado estadual em 2010. Foi reeleito mais três vezes e, até 2020, usava como nome de urna: João Vítor Xavier da Itatiaia.
Curioso que, apesar do aumento de poder, sua votação vem diminuindo nos últimos anos — caindo de 81 mil votos em 2014 para 62 mil na última eleição.
Quando Menin comprou a Itatiaia da família Carneiro em 2021 ele levou mais do que uma rádio, o bilionário comprou quase um “partido político” e identificou em Xavier um hábil articulador, que foi alçado de apresentador para vice-presidente.
Além do prefeito e Xavier, a rádio tem em seus quadros o deputado estadual Mário Henrique (PV), o Caixa, narrador dos jogos do Atlético-MG.
Desde sua fundação, em 1952, mais de 30 políticos foram eleitos usando o microfone da rádio. Entre eles, Laudívio Carvalho, Dirceu Pereira, Alberto Rodrigues e o atual senador Carlos Viana (Podemos), que, ao ser eleito, também era apresentador da TV Record.
Passo para a direita
A chegada de Damião ao poder de forma definitiva — a posse está agendada para próxima quinta-feira (3) — representa também uma guinada à direita no comando do poder municipal e afeta a disputa pelo governo estadual em 2026. Escrevi sobre isso na coluna publicada na quinta-feira (27) na Carta Capital.
Eu avisei
“Quando Damião foi escolhido para ser o vice de Fuad, eu disse que isso representaria um risco, pois a posição dele é de um político de direita”, afirmou, para esta Capivara, a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), ao chegar para o velório de Fuad. A deputada foi vereadora no mesmo período que Damião e recorda o alinhamento do prefeito com pautas da extrema-direita.
Ainda na dúvida
O deputado federal Rogério Correia (PT), que, junto com Bella, foi derrotado na última eleição para a prefeitura pela chapa formada por Fuad-Damião, afirma ainda não ter clareza sobre o posicionamento político do novo prefeito, mas entende que, ao considerar o partido dele — o União Brasil —, Damião está mais à direita do que o PSD de Fuad. “Tem que ver com qual União Brasil ele (Damião) está alinhado. O que tem ministérios no governo Lula ou o que está na oposição”, afirmou o deputado.
Balaio de gato
Fruto da fusão do DEM (antigo PFL) com o PSL (partido que elegeu Jair Bolsonaro presidente em 2019), o União Brasil ocupa as pastas do Turismo e das Comunicações no governo Lula (PT). Contudo, o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Goés (PDT), é uma indicação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, uma das principais lideranças da legenda.
Apesar de integrar o governo, o União Brasil, até meados do ano passado, era o quarto partido que menos votava com o governo na Câmara — ficando atrás apenas do Novo, PL e PRD, segundo levantamento da Arko Advice.
Paparicado
Um sarcástico personagem da política mineira fez uma análise arguta ao observar a fila de cumprimentos durante o velório de Fuad. Ele notou que Álvaro Damião, o herdeiro da cadeira, foi mais cumprimentado que a viúva, os filhos e os netos de Fuad. Como a lista de exonerações é grande e está prestes a ser divulgada no Diário Oficial do Município nos próximos dias, o beija-mão em torno do prefeito foi intenso.
Lágrimas e incertezas
O secretário de Relações Institucionais da Prefeitura, Paulo Lamac (Rede), parte do núcleo duro de Fuad, estava nitidamente abatido e com os olhos marejados na tarde de ontem. Ao ser questionado sobre seu futuro no cargo, disse que não falaria sobre o assunto. “Sobre o futuro, nós vamos conversar amanhã”, afirmou.
O vereador Bruno Miranda (PDT) também estava abatido, mas disse ter disposição para permanecer na função de líder de governo na Câmara. No entanto, reconheceu que a função é uma prerrogativa do prefeito — e lembrou que foi escolhido por Fuad.
Fora da galeria
Ontem, durante o velório, o cerimonial da prefeitura reservou uma sala para os jornalistas. Lá, uma galeria de retratos com todos os ex-prefeitos da capital. Faltava apenas o quadro com a pintura do ex-prefeito Alexandre Kalil. Alegar que não houve tempo não é razoável — o político deixou o posto há três anos.
Ficou com jeito de resposta semiótica à descortesia do ex-prefeito, que permaneceu em silêncio diante da morte de Fuad. A ausência do quadro foi exposta de forma evidente, como quem deixa a provocação à vista.
Silêncio total
Kalil não emitiu nenhuma nota de pesar, não enviou coroa de flores e tampouco foi ao velório. Quem procurou a assessoria dele ouviu apenas que não iria se manifestar.
Fuad foi secretário de Fazenda no primeiro governo de Kalil na prefeitura. A afinidade foi tanta que ele foi escolhido para ser o vice quando o ex-presidente do Atlético tentou a reeleição, vencendo com folga no primeiro turno.
Quando Kalil deixou a prefeitura, em março de 2022, para ser candidato ao governo mineiro, Fuad assumiu o comando e foi, aos poucos, mudando os nomes dos secretários e o estilo da gestão. Com a derrota de Kalil para Romeu Zema (Novo), o ex-prefeito ficou sem cargo e passou a discordar publicamente de Fuad — até o rompimento total, quando deixou o PSD, migrou para o Republicanos e apoiou Mauro Tramonte, que liderava as pesquisas, mas terminou em terceiro.
Vaidade
O presidente da Câmara, Juliano Lopes (Podemos), e o prefeito Álvaro Damião começaram o ano trocando farpas, após a vitória de Lopes na disputa pelo comando do Legislativo. Ontem, ele afirmou que as rusgas ficaram para trás. O que realmente une os dois homens mais poderosos da capital, no entanto, é outra coisa: a vaidade. Ambos usam laquê para manter o penteado impecável e lentes de contato dental que garantem sorrisos vistosos.
Oi, sumida
Velório de político é uma oportunidade de ver quem está vivo, apesar de sumido dos holofotes. É o caso de Andrea Neves, que chegou ao salão da prefeitura ao lado do irmão, o deputado federal Aécio Neves (PSDB).
A última vez que esta Capivara a viu foi em 2017. Andrea estava dentro de uma viatura policial, saindo do IML, no bairro da Gameleira, após passar pelo exame de corpo de delito antes de ser encaminhada para a penitenciária Estevão Pinto. Ela ficou pouco mais de um mês atrás das grades, investigada na Operação Patmos, um desdobramento da Lava Jato.
A revista Vice publicou na época da prisão uma reportagem com o título: Por que os jornalistas de Minas detestam Aécio e Andrea Neves?. Vale a leitura.
Violência punida
Em decisão histórica, o TSE manteve a primeira condenação do país por violência política de gênero, com base na Lei nº 14.192/2021. O ex-vereador de Russas (CE), Francisco Martins, foi sentenciado por humilhar três deputadas estaduais durante sessão na Câmara. A pena é de 3 anos, 10 meses e 18 dias de prisão, além de multa. A ministra Isabel Galotti rejeitou o recurso da defesa. O caso marca um precedente importante no combate à violência política contra mulheres.
Governo petista contra quilombolas
Em reportagem publicada na Repórter Brasil nesta semana, mostro que representantes das comunidades quilombolas de Bocaina e Mocó, em Piatã, na Chapada Diamantina, acusam a CBPM (Companhia Baiana de Pesquisa Mineral) — estatal sob o comando do governo petista da Bahia — de atuar como aliada da mineradora inglesa Brazil Iron em um conflito socioambiental causado pela empresa.
Capivaras comem peixe?
Depois de passar a manhã de sábado perambulando por lojas de material de construção, tentando resolver uma infiltração que insiste em fazer da parede um pequeno manguezal doméstico, paramos (as outras capivaras da família e eu) pra almoçar no Chico do Peixe, no bairro Concórdia. É tão bom — e raro — quando a gente escolhe um lugar só porque bateu vontade de comer algo, sem precisar consultar feed, reels, nem avaliação com estrelinha.
Fomos até o restaurante da rua Pitangui movidos pelo desejo de comer peixe, não por um combo de vídeos com closes de pratos acompanhados por narrações daquele tipo de texto que mistura Pero Vaz de Caminha com Claude Lévi-Strauss. Aliás, uma chatice esse povo que “descobre” bares na cidade como se fossem desbravadores ou antropólogos da selva de pedra.
Tampouco fomos pela decoração instagramável. Depois de passar horas encarando catálogos de revestimento, foi um alívio notar que o ambiente ali juntava piso, parede e forro sem nenhuma coerência estética — com pelo menos seis tipos distintos de revestimento.
Um verdadeiro manifesto contra o minimalismo Pinterest. Viva o caos acolhedor do azulejo de ponta de estoque — claramente um projeto designer-free e arquiteto-free (ufa!).
Vamos ao que interessa: comemos uma traíra sem espinha, impecável. Acompanhada de vinagrete (ligeiramente salgado), farofa temperada na medida e arroz soltinho. A Itaipava 600 ml custa R$ 7. O prato saiu por R$ 142, alimentou três capivaras com folga e ainda rendeu uma marmita para a menor delas jantar. De sobremesa, um chup-chup industrializado de açaí com guaraná e banana. Aquela alegria gelada que cola no céu da boca e no coração. Pena que o peroá estava em falta.
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