A dona do cofre do PT no centro da disputa interna
A eleição para a presidência do PT, marcada para 6 de julho, está agitando os bastidores da legenda. No centro dessa disputa está Gleide Andrade, mineira de Carmo do Cajuru, que construiu sua trajetória dentro da burocracia partidária e, desde 2019, ocupa a Secretaria Nacional de Finanças e Planejamento. O nome do cargo pode soar pomposo, mas, na prática, ela é a tesoureira do PT.
Aos 53 anos, Gleide passou os últimos seis gerindo os fundos partidário e eleitoral da legenda e segue sem acusação de corrupção. Algo que, em teoria, deveria ser apenas uma obrigação, mas que ganha destaque diante do histórico de ex-tesoureiros como Delúbio Soares, João Vaccari Neto e Paulo Ferreira — todos investigados durante a lava jato e o mensalão, e que acabaram na prisão, mas reverteram as condenações.
Gleide é a casca de bala de sua quase xará, Gleisi Hoffmann, que deixou a presidência do partido para assumir a Secretaria de Relações Institucionais. Em um de seus últimos atos no comando do PT, Gleisi organizou, em seu apartamento em Brasília, um encontro do alto escalão petista com o presidente Lula.
O que deveria ser um convescote privado vazou para a imprensa: Gleide e Gleisi contestaram a escolha de Lula pelo ex-prefeito de Araraquara, Edinho Silva, para comandar o partido. Elas defendem José Guimarães, deputado federal pelo Ceará.
Todos pertencem à mesma corrente interna do PT, a CNB (Construindo um Novo Brasil). O impasse, no entanto, acontece porque Edinho já deu sinais de que não pretende manter Gleide no comando das finanças partidárias. E a disputa não é pequena: só em 2024, o PT recebeu R$ 629 milhões do fundo eleitoral.
No ano que vem tem eleição e quem comanda o cofre manda muito na disputa.
Curiosamente, Gleide passou décadas no PT sem nunca testar sua popularidade nas urnas. Sua trajetória começou na militância estudantil e seguiu por cargos em administrações petistas na Prefeitura de Belo Horizonte, durante as gestões de Patrus Ananias e Fernando Pimentel. Também foi chefe de gabinete do então deputado estadual Adelmo Carneiro Leão.
Embrenhada nas disputas internas do partido, só em 2022 arriscou sua primeira candidatura. Teve quase 50 mil votos para deputada federal, mas não foi eleita. Dos R$ 2,1 milhões arrecadados para sua campanha, mais de 90% vieram do fundo eleitoral, que estava sob sua própria gestão. Fazendo as contas: cada voto recebido por Gleide custou R$ 42.
Para efeito de comparação, o deputado federal petista mais votado em Minas Gerais, Reginaldo Lopes, teve um custo de R$ 11,80 por voto. Apesar de estar na Câmara desde 2010, Lopes recebeu menos recursos do partido do que Gleide (R$ 1,7 milhão contra R$ 1,9 milhão).
Nos discursos públicos, porém, a questão financeira não é apontada como o motivo da disputa. Em entrevista à Folha, Lopes declarou apoio a Edinho Silva e defendeu que o PT precisa dialogar com o agronegócio, os evangélicos e os empreendedores e que ex-prefeito de Araraquara é o mais indicado para tarefa: “Eu acho que o PT foi para uma bolha. O meu conceito é tirar o PT da bolha”.
Gleide, Gleisi e Guimarães pensam diferente de Reginaldo, Edinho e Lula. Para eles, a aliança ampla que elegeu o presidente em 2022 dificilmente se repetirá. A saída, na visão desse grupo, seria dar um passo à esquerda e resgatar a base histórica do partido.
A divisão ficou evidente no último fim de semana, quando lideranças petistas realizaram eventos separados em Belo Horizonte.
De um lado, Gleide Andrade organizou um encontro em apoio a José Guimarães, com a participação dos principais nomes do partido em Minas Gerais. Do outro, Reginaldo Lopes promoveu um evento para fortalecer a candidatura de Edinho Silva, mas sem adesão de figuras relevantes da legenda.
Se não conseguir se manter na tesouraria, Gleide Andrade não sai de mãos abanando. Ela segue até 2028 como conselheira da usina de Itaipu Binacional, cargo para o qual foi reconduzida por Lula no final do ano passado. Por lá, recebe R$ 34 mil por mês para participar de uma reunião bimestral.
Ajude uma capivara
Caríssimos leitores, preparar essa newsletter dá um trabalho danado para essas capivaras — tanto para a de paletó quanto para a de cropped —, mas é algo em que acreditamos.
De vocês, só pedimos uma coisa: ajudem a espalhar a palavra deste boletim. Compartilhem nos grupos de amigos, da família, do trabalho e, sei lá, da igreja, caso vocês frequentem alguma. Agora, temos até um QR Code para facilitar a tarefa:
Encaminhem também por e-email para seus contatos próximos e, é claro, compartilhem nas redes sociais. Para que esse projeto siga adiante e seja viável, precisamos romper a bolha, alcançar novos públicos e trazer mais leitores e assinantes. Se cada um de vocês trouxer um novo leitor, as capivaras agradecem.
Que coisa
Quer um bom motivo para se informar por um veículo independente?
Os jornais Valor Econômico e O Globo lançaram um projeto para a cobertura da COP 30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que acontece em novembro, em Belém (PA). E, de cara lavada, anunciaram que os patrocinadores da cobertura são nada menos que JBS e Vale.
O projeto COP 30 do Grupo Globo contará com a publicação de reportagens semanais. Fica a dúvida: será que vão tratar do desmatamento associado aos fornecedores da JBS? Ou, quem sabe, dos episódios de trabalho análogo à escravidão? Será que esses veículos vão aprofundar a investigação do Ministério Público Federal, que aponta a Vale como responsável pela contaminação por metais pesados dos indígenas Xikrin, da Terra Indígena Xikrin do Cateté, no sudeste do Pará?
Ou será que, como dizem na minha terra, quem paga a banda escolhe a música?
Beija-mão do patrão
O canal de TV CNN Brasil comemorou cinco anos nesta semana com uma festa em São Paulo. Repórteres e apresentadores tiraram selfies com o dono da empresa, o bilionário Rubens Menin.
Pelo visto, as relações entre Menin e seus funcionários andam mais harmoniosas. No passado, sua principal empresa, a construtora MRV, foi autuada sete vezes por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão.
O governador Romeu Zema (Novo) e o prefeito Álvaro Damião (União Brasil) também viajaram a São Paulo para prestigiar o evento. “Merecíamos um canal como esse”, declarou o prefeito, que, antes de assumir o cargo, era empregado de Menin na rádio Itatiaia. A festa também reuniu outros governadores, prefeitos, ministros do STF e empresários.
Além da CNN, da Itatiaia e da MRV, Menin também é dono do Atlético-MG e do Banco Inter. São tantos negócios que, às vezes, eles se misturam.Esta semana, por exemplo, a Itatiaia publicou uma longa e elogiosa matéria sobre a vinícola de Menin em Portugal.
Orando no estúdio
Os servidores da Rede Minas são convocados, todas as quarta-feiras, a participarem de um momento de oração, que ocorre de 13h às 13h30, dentro de um dos estúdios da emissora. O comunicado vem com uma nota de rodapé, em letras miúdas, dizendo que não é obrigatório.
Desde julho do ano passado, a emissora exibe diariamente, às 8h, um desenho animado chamado Danizinha Protetora. A personagem representa a pastora Daniela Linhares, filha do pastor Jorge Linhares, da Igreja Evangélica Getsêmani.
O responsável pela programação é Leonardo Vitor — ex-MBL, filiado ao partido Novo e entusiasta de armas, que posa para fotos em clubes de tiro.
Breaking news
O Mundo Bita lançou o clipe Farra da Capivara estrelando Chuchu, uma roedora cor de mel, que prega uma vida de diversão offline. Assista:
Siga o dinheiro
Os novos presidentes das comissões da Câmara dos Deputados foram definidos na última quinta-feira (19). Deputados mineiros ficaram no comando de nove dos vinte e oito colegiados.
Na Repórter Brasil seguimos a velha máxima do jornalismo: acompanhe o dinheiro. E encontramos duas histórias bem esclarecedoras sobre parlamentares de Minas Gerais.
Meu colega Diego Junqueira e eu mostramos que o deputado federal Diego Andrade (PSD-MG) recebeu R$ 200 mil em doações eleitorais do dono da Delta Sucroenergia, fabricante de etanol. Coincidentemente, Andrade é autor de um projeto de lei que prevê isenções de impostos federais sobre combustíveis. Agora? Vai comandar a Comissão de Minas e Energia.
Já a jornalista Helen Freitas revelou que o novo presidente da Comissão de Saúde, deputado Zé Vitor (PL-MG), atuou para excluir refrigerantes e bebidas açucaradas do Imposto Seletivo (IS), também chamado de “Imposto do Pecado”.
Sem vaidade
Com a pré-candidatura mais do que posta para suceder Zema, o vice-governador, Mateus Simões (Novo), já admite publicamente o óbvio: se não conseguir frear o ímpeto do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos) e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL) de serem candidatos ao governo suas chances são pequenas.
”Nós três temos que chegar a conclusão de um nome de consenso e espero que a vaidade não fique no caminho disso”, afirmou o vice-governador, ao programa Entrevista Coletiva, da Band Minas. Resta saber quem abre mão – e quem engole o ego.
Teletrabalho
Fiz uma análise na CartaCapital sobre a desastrada tentativa de Zema de nacionalizar seu nome com vistas à disputa de 2026. Leia: Zema escorrega na própria estratégia e larga enfraquecido. O governador, aliás, depois de participar da festa da CNN na segunda-feira, prolongou a semana em São Paulo, onde se reuniu com diretores de empresas.
O sabiá não sabia que o sábio sabia que o sabiá não sabia assobiar
O general Mascarenhas de Morais, chefe da FEB na Itália, em 1945, chama o jornalista Joel Silveira para uma audiência com o papa Pio XII. O papa aparece e diz: “Língua portuguesa muito importante. Sabia é tempo verbal, sábia é mulher do sábio e sabiá um pássaro”. Virou as costas e foi-se embora. Estava encerrada a audiência. (depoimento de Joel Silveira a Geneton Morais, canal GNT, fevereiro de 2000)
Não deixe de ouvir:
O episódio "A invasão de sardinhas nos rios amazônicos" do podcast Prato Cheio, do Joio e o Trigo, e entenda como o dinheiro investido por pequenos acionistas na Bolsa de Valores tem impactado comunidades às margens do rio dos Peixes (MT) e do rio Tanaru (RO). Além do podcast, a repórter Bruna Bronoski investiga, em uma série de reportagens, como os investimentos na bolsa de valores estão ligados à destruição da Amazônia.
::Expurgo 17::
Por que ler Quem será contra nós? (2025 – Reformatório - 241 páginas) de Sílvia Paiva Ramos?
Ao ler a última página de Quem será contra nós?, fui tomada por um arrepio geral. Tenho pouquíssimos pelos nas pernas, mas meus braços sempre tiveram muitos — e, por uns sete minutos, tanto pernas quanto braços permaneceram como se cada folículo tivesse vida independente.
Era como se meu corpo quisesse me mostrar o impacto do que se passava em minha mente ao terminar o livro, especialmente ao imaginar a cena final.
O livro é o romance de estreia de Sílvia Paiva Ramos, inspirado em uma história verídica que foi objeto de um processo judicial.
Centenas de pessoas foram aliciadas por um pastor evangélico a venderem suas casas, carros e todos os pertences para se mudarem com suas famílias — inclusive crianças — de suas cidades de origem para uma fazenda no norte de Minas Gerais, com vista para Serra do Espinhaço.
A combinação entre fé religiosa, carência afetiva dos líderes familiares que decidiram seguir aquele pastor e, claro, a pobreza, levou aquelas pessoas a acreditar que viveriam em uma espécie de comunidade onde nada lhes faltaria — mesmo em um dos ambientes mais secos e inóspitos do Cerrado mineiro.
A realidade, no entanto, era uma das mais brutais a que um ser humano pode ser submetido: aquelas pessoas foram reduzidas a condições análogas à escravidão.
A narrativa parte da voz da personagem principal, minha xará, Cristina, uma jovem que chega à fazenda ainda menor de idade, acompanhada dos pais. No entanto, o recorte temporal principal da história acontece quando ela já tem cerca de vinte anos.
Os questionamentos de Cristina sobre a vida que seu pai submeteu a família começam quando sua mãe passa a sofrer sintomas de uma doença, que vai ficando cada vez mais grave. A protagonista, então, passa a tentar retirá-la dali para realizar uma consulta médica e descobrir o que está acontecendo com Elenice.
Contudo, Cristina é impedida pelos obreiros e pelo próprio pastor, cada um à sua maneira, sempre sob a justificativa de que a fé e a palavra de Deus seriam suficientes para cuidar e curar.
Sílvia cria os personagens com um nível de detalhe que torna a leitura curiosa, atenta e sempre muito interessante. Não há pedantismo, críticas, ou lugares comuns.
Cada personagem entra na história com detalhes e descrições específicas de seus corpos, da vida anterior à fazenda, da percepção e do modo como realizam aquele trabalho duro para ali viverem e da redenção que esperam naquela fé. Por isso, a atenção do leitor fica presa ao livro, com a imaginação trabalhando a mil.
Nos trechos individuais dos personagens e na forma como Sílvia opta por narrar o romance percebemos os sinais materiais da opressão: muitas dessas pessoas sequer têm consciência de que estão vivendo em condições análogas à escravidão.
Os detalhes do trabalho árduo na fazenda, a descrição dos dormitórios separados por gênero, os cultos religiosos diários, o sabor da água disponível, o calor sufocante das roupas impostas pela fé e a integração com a paisagem da Serra do Espinhaço são constantemente associados aos pensamentos, reflexões e julgamentos de Cristina — sobre seus próprios limites e os de cada pessoa com quem interage.
O suspense da narrativa está em parágrafos em que a autora coloca várias frases da protagonista referindo-se a pessoas, tempos, situações diferentes, em uma velocidade e ritmo que podemos sentir o desespero de Cristina, sua confusão mental e uma tentativa de manter-se forte e lúcida. É preciso sair daquele aprisionamento viva.
A orelha de Quem será contra nós? foi escrita por Andrea del Fuego, com quem Sílvia compartilhou o processo de escrita. Como admiradora das obras de Andrea, ouso dizer: não poderia ter havido encontro melhor.
E, deixando a modéstia de lado, ouso ainda mais: a potência de Quem será contra nós? torna a obra uma forte candidata aos prêmios literários de 2025.
Mais um.episodio excelente