Isso a Globo não mostra
Os veículos do grupo Globo em Minas Gerais — TV Globo Minas, G1 e rádio CBN — vêm noticiando, como praticamente toda a imprensa local, os desdobramentos da lei, que autoriza a instalação de painéis de LED de até 40 metros de altura em prédios no entorno da Praça Sete, coração de Belo Horizonte.
A tal da “Times Square caipira”, como dizem os realistas.
O que pouca gente sabe é que a proposta interessa — e muito — à maior emissora do país. Desde o fim do ano passado, o grupo Globo tornou-se controlador da Eletromidia, uma das gigantes do setor de mídia out-of-home (OOH) no Brasil.
“Essa integração vai nos permitir estar ainda mais presentes no dia a dia das pessoas, conectando marcas e público de maneira criativa e inovadora”, declarou Paulo Marinho, diretor-presidente da Globo, em comunicado oficial.
A Eletromidia encerrou 2024 com crescimento de 26,5% na receita líquida, alcançando R$ 1,19 bilhão. A empresa havia instalado 3,2 mil novos painéis, chegando a 69 mil em todo o país — número superior às 65,8 mil telas registradas no fim de 2023, sendo 75% digitais, o restante estático.
A Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais) e a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) também demonstraram entusiasmo com a ideia de transformar a Praça Sete em um mar de luminosos.
A nova lei vai, segundo a Fiemg: “transformar o Centro de Belo Horizonte em um ambiente dinâmico e ativo, trazendo mais segurança, inovação e oportunidades para negócios locais”.
Por outro lado, arquitetos e defensores do patrimônio histórico se opõem à proposta.
Vale lembrar que, ao redor da praça, estão dois ícones da arquitetura e da cultura: o histórico Cine Theatro Brasil e um edifício assinado por Oscar Niemeyer. Qualquer intervenção nestes imóveis, mesmo com a nova legislação, continua sujeita à aprovação dos conselhos municipal e estadual de patrimônio histórico.
“Não dá muito certo substituir as belas e bem traçadas curvas do mestre (Oscar) Niemeyer pelo menor preço do frango desossado”, diz um trecho do abaixo-assinado liderado pelo arquiteto Gustavo Penna, que reúne quase 8 mil assinaturas contra a chamada “Times Square caipira”.
O documento contesta a lei aprovada pelos vereadores e sancionada pelo prefeito Álvaro Damião (União Brasil). “Nossa cultura não pode ser achatada por interesses comerciais. Nossos prédios não são suporte de outdoors”, afirma o manifesto.
Cafona: Que ou aquele que se enfeita ou se arruma de maneira ridícula, espalhafatosa, marcadamente vulgar e de mau gosto; brega
Editorial
Muita gente nova tem chegado por aqui nos últimos dias e é importante deixar claro quem está por trás desta Capivara de Paletó — um repórter semiaquático e roedor.
A apuração, a escrita e a edição são feitas por mim, Daniel Camargos — repórter na estrada desde o início deste século.
A Capivara de Paletó é uma newsletter semanal, enviada todas as sextas pela manhã. Traz análises e notas sobre política, conflitos socioambientais, jornalismo, literatura e, especialmente, os bastidores do poder em Belo Horizonte e Minas Gerais."
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De pateta a amigo, com o Peru no meio
O prefeito Álvaro Damião, empossado ontem, uma semana após a morte de Fuad Noman, começou o ano brigando com o vereador Juliano Lopes (Podemos). Damião assumiu a missão de articular o enfrentamento à “família Aro” — grupo de vereadores que gravita em torno do secretário estadual de Governo, Marcelo Aro (PP) — na disputa pela presidência da Câmara.
Lopes saiu vencedor, assumiu o comando e usou os microfones para chamar Damião de “pateta”. Acusou o então vice-prefeito de utilizar a estrutura da prefeitura para mudar votos de última hora.
“O pateta maior é o Damião, que não tem habilidade política e saiu oferecendo de tudo para os vereadores no apagar das luzes”, disparou Lopes.
Damião encarnou o “pateta”, fingiu não se ofender e tentou aliviar o clima com Lopes e com os membros da “família Aro”, enquanto era prefeito interino, com a doença de Fuad. A meta era clara: governar com alguma tranquilidade, sem oposição feroz e barulhenta.
Para isso, ele cedeu cargos, distribuiu gestos e foi, pouco a pouco, dissolvendo o atrito. Ontem, durante a posse, retribuiu os ataques com sorrisos e afagos: chamou Lopes de “meu amigo”.
A resposta veio em forma de um plenário dócil, quase decorativo. Durante a prestação de contas que seguiu à cerimônia, as perguntas foram mornas. Desde os coléricos vereadores do PL até a barulhenta bancada do PSOL, passando pelos petistas — alguns, inclusive, posaram para selfies de rostinho colado com o prefeito.
No plenário e na entrevista coletiva, Lopes parecia em clima de romance político com Damião. Mas há uma razão extra para tanto afeto.
Na segunda-feira (7), o prefeito embarca para o Peru, onde participa de um congresso do BID sobre parcerias público-privadas. Vai se ausentar por cinco dias — tempo suficiente para que Lopes assuma o comando da cidade. “Um privilégio que Deus está me permitindo”, disse o presidente da Câmara.
Bilionário na área
Ao lado de Damião e Lopes, compuseram a mesa da cerimônia de posse o governador Romeu Zema (Novo) e outras autoridades. Entre os convidados, um nome não tomou assento, mas foi citado pelo cerimonial: o empresário Rubens Menin.
Se você acompanha a Capivara, viu na última edição que destacamos a chegada do “Partido Itatiaia” ao poder. Menin é dono da rádio Itatiaia, empresa onde Damião trabalhou por décadas e construiu a reputação que o impulsionou para a política.
Nesta semana, Menin entrou na seleta lista de bilionários da revista Forbes, com uma fortuna estimada em R$ 8,5 bilhões (US$ 1,5 bilhão). É dono também da MRV, Banco Inter, CNN Brasil e da SAF do Atlético-MG.
Esta Capivara observou pela fresta uma cena simbólica: na antessala do poder, reservada aos convidados, todos cumprimentavam primeiro o homem dos bilhões. O prefeito esperava.
Soprando a pergunta
O deputado estadual João Vítor Xavier (Cidadania) também esteve ontem na Câmara. Guru político de Damião e vice-presidente da rádio Itatiaia, aproveitou a ocasião para orientar, ali mesmo, um dos repórteres da emissora antes da coletiva de imprensa com o prefeito recém-empossado.
Justa homenagem?
Aproveitando a passagem pela Câmara Municipal, vale destacar que, em 2023, a Sala de Imprensa do Legislativo passou a se chamar Geraldo Teixeira da Costa — o Gegê. Ele foi diretor-presidente do jornal Estado de Minas entre 1959 e 1965 e comandava os Diários Associados em Minas.
Gegê foi morto com seis tiros de cartucheira na porta de sua mansão. Os disparos foram feitos pelo pai de uma adolescente de 15 anos, que trabalhava como empregada doméstica na casa de Gegê e com quem ele havia se envolvido. O caso é relatado no livro Chatô – O Rei do Brasil (Companhia das Letras), de Fernando Morais.
Tudo em casa
Além do Estado de Minas, a TV Alterosa também integra o que restou dos Diários Associados — o império midiático fundado por Assis Chateaubriand, o Chatô.
A filha do prefeito, Giovanna Damião, é apresentadora da emissora, onde o pai também já atuou. Na cerimônia de posse, outro colega da TV estava presente: o delegado Márcio Lobato, que dividia com Damião os comentários sobre segurança pública no programa na Alterosa. Cotado para assumir a Secretaria de Segurança e Prevenção, ele desconversou: disse não estar sabendo de nada.
Mudanças no secretariado
O atual secretário de Segurança, Genilson Ribeiro Severino, já deixou o cargo. Outra baixa confirmada é a de Josué Valadão, que chefiava a pasta de Assistência Social e Direitos Humanos. Valadão integrava o primeiro escalão da Prefeitura de Belo Horizonte há 16 anos. As mudanças no secretariado serão oficialmente anunciadas por Damião em entrevista coletiva marcada para esta sexta-feira (4), às 9h.
Pouco antes de chegar à Câmara para a posse, o prefeito foi informado do afastamento de seu correligionário Bruno Barral, secretário de Educação. A decisão foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após operação da Polícia Federal que investiga fraudes em licitações na Bahia. Depois da posse, Barral foi exonerado em uma edição extraordinária do Diário Oficial do Município.
Grande Sertão, sem veredas
Viajei ao Vale do Jequitinhonha para ouvir moradores que estão vendo as veredas secarem e as nascentes desaparecerem. O motivo: a monocultura de eucalipto da Aperam, empresa que se apresenta ao mundo como produtora de “aço verde”.
Fruto de uma investigação transnacional, a reportagem foi publicada na Repórter Brasil, na revista francesa L’Humanité e no portal italiano Il Post.
O avanço do eucalipto compromete o acesso ao recurso mais básico de todos. Enquanto a empresa sustenta um discurso de sustentabilidade, com selos e campanhas publicitárias, o que encontramos no território foi outro cenário: paisagens secas, veredas mortas e comunidades tradicionais em risco.
Leia a reportagem aqui e não deixe de assistir ao vídeo com uma música, espécie de trova, em que João Gomes de Azevedo, de 85 anos, narra a saga de quem resistiu na região e convive com a natureza se esvaindo e a água rareando nas chapadas e veredas.
Ogronegócio
Escrevi também nesta semana para a Carta Capital sobre o bloqueio da estrada da soja pelos Mundurukus, no sudoeste do Pará — um ato de resistência que escancara a violência do agronegócio na Amazônia. O protesto é contra a lei que institui o marco temporal e contra a mesa de conciliação aberta pelo Supremo Tribunal Federal, que já havia considerado a tese inconstitucional. Caminhoneiros reagem com pedras e tiros. Um caminhão avançou sobre os indígenas. O governo federal se manteve em silêncio.
Raio-X de um massacre
Se você está em São Paulo ou no Rio de Janeiro, tem um programa imperdível nos próximos dias: a estreia do documentário Pau d’Arco no festival É Tudo Verdade.
É um soco no estômago. Um dos trabalhos jornalísticos mais potentes que vi nos últimos anos. Não vou dizer muito para não estragar a experiência — só digo que vale cada minuto. Assista ao trailer. E vá ao cinema.
Veja as datas e os horários na página do documentário.
Aposta na tosqueira
Se Romeu Zema fosse um personagem de novela, estaria naquela fase em que o roteiro dá uma pirada boa em busca de audiência. O governador de Minas Gerais começou a semana com um boné escrito “Abril Verde” na cabeça e terminou publicando um vídeo com trilha gospel produzido por inteligência artificial, defendendo anistia a golpistas.
Parece uma aposta deliberada no tosco. Uma tentativa de agradar a base mais radical do bolsonarismo, onde forma e conteúdo caminham lado a lado rumo ao rebaixamento estético. Uma comunicação pensada para um público que confunde brutalidade com autenticidade — como se comer com as mãos fosse mais verdadeiro do que saber usar talheres.
Clima de bromance
Ao lado de Ronaldo Caiado (União Brasil) — governador de Goiás, aliado do agronegócio e figura influente da direita ruralista — Zema visitou a maior feira do agro em Minas Gerais, realizada em Uberlândia.
O gesto mais simbólico do evento veio com o boné verde que o governador mineiro exibiu. A inscrição “Abril Verde” funciona como contraponto direto ao “Abril Vermelho”, tradicional jornada de mobilizações promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A ação relembra, todos os anos, o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996, quando 21 trabalhadores sem terra foram assassinados pela Polícia Militar do Pará.
Louvor robótico
Zema publicou nas redes sociais um vídeo criado com Inteligência Artificial, defendendo o “perdão” e a “liberdade” dos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. De péssimo gosto estético e musical, o vídeo sugere uma chegada triunfal de Zema a Brasília — uma insinuação de sua intenção de disputar a Presidência em 2026.
A peça foi divulgada às vésperas do ato convocado por Jair Bolsonaro (PL) na Avenida Paulista, no próximo domingo (6), do qual Zema deve participar.
A deputada estadual Lohanna França (PV-MG) protocolou uma representação no Ministério Público Eleitoral, acusando Zema de propaganda eleitoral antecipada e abuso de poder econômico.
Na rabeira
Segundo a nova pesquisa Genial Quaest, divulgada na quinta-feira (3), o presidente Lula (PT) aparece à frente em todos os cenários testados para a eleição de 2026. Entre os possíveis adversários da direita, os nomes menos competitivos no momento são os de Zema e Caiado.
Confira os cenários simulados:
Lula 44% x 40% Bolsonaro
Lula 44% x 38% Michelle Bolsonaro
Lula 43% x 37% Tarcísio de Freitas
Lula 42% x 35% Ratinho Jr.
Lula 44% x 35% Pablo Marçal
Lula 45% x 34% Eduardo Bolsonaro
Lula 43% x 31% Romeu Zema
Lula 44% x 30% Ronaldo Caiado
::Expurgo 18::
Por que ler Poema do fim do mundo? (2024 – Impressões de Minas - 85 páginas) de Dante Christófaro
O que me atraiu inicialmente no livro Poema do fim do mundo foi a beleza de seu projeto gráfico, cujas cores, por si, me agradam muito. Além disso, fiquei curiosa porque ele foi lançado em 2024, mas vi que estava grafado em duas páginas, logo no princípio e em números grandes: “2018”.
Comecei a leitura esperando poemas independentes e organizados em blocos anuais, porque depois percebi que existiam outras páginas com os números 2019, 2020, 2021 e 2022. Mas, não: o livro é um texto único, no qual Dante conseguiu com muita criatividade, inserir na forma de versos elementos de diário, ensaio e ficção.
A obra traz questões muito próprias do autor, como os detalhes da sua casa, a relação do seu corpo exposto ao caminhar pela cidade com seu companheiro, reflexões sobre o trabalho enquanto criador de videogames, seu retorno à música tocando em bateria de blocos de carnaval e a prática da escalada.
Dante consegue, porém, aproximar tudo isso à cidade onde vive, ao cinema, a figuras contemporâneas polêmicas como Jeff Bezos e, finalmente, às duas eleições presidenciais que ocorreram entre 2018 e 2022.
Algumas partes me tiraram momentaneamente da realidade com muito riso, como quando conheci Carlos - Comunidade de Aranhas Relativamente Legais Organizadas Sistematicamente.
A relação do autor com a própria escrita me pareceu leve, enquanto seu contato com as regras de contabilidade e declaração de imposto de renda, aflitivo. Mas, afinal, para quem não são?
Não tenho dúvidas que o ano de 2021 foi interessante para muita gente, inclusive para mim, e foi nesta parte do livro-poema-texto de Dante que encontrei os melhores versos.
Ainda não tinha decidido qual livro resenhar esta semana, quando, em conversa com um amigo, falávamos sobre como a literatura, talvez pela imaginação, nos leve a um estado de empatia – o que é essencial, especialmente diante da quantidade de vida que temos dedicado às telas.
Mas é delicioso também perceber quando a leitura provoca na gente a vontade de fazer algo que nunca pensamos que poderíamos ter vontade. E no caso, Poema do fim do mundo me deixou querendo encontrar um joguinho de videogame para chamar de meu (isso, sim, é um verdadeiro expurgo).