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A vereadora que declarou guerra à folia em BH
Sucesso de público e crítica, o carnaval de Belo Horizonte tem uma inimiga ferrenha na Câmara Municipal. A vereadora Flávia Borja (DC) passou a folia postando nas redes sociais e reclamando da alegria alheia.
Ela assinou, inclusive, uma nota de repúdio contra um beijo entre um homem fantasiado de Jesus Cristo e outro vestido de Capeta. O vídeo foi postado por um dos influenciadores pagos pela Prefeitura de Belo Horizonte e, após os ataques recebidos, foi apagado.
A nota foi escrita em nome da Frente Parlamentar Cristã, presidida por Flávia, que reúne 27 dos 41 vereadores da capital mineira. No texto, a vereadora classificou o beijo como uma “manifestação vilipendiosa, ofensiva e que agride massivamente a população”.
Aplausos do pastor
Um dos primeiros a comentar e apoiar a nota foi o pai do deputado federal Nikolas Ferreira (PL), o pastor Edésio Fernandes, que publicou imagens de mãos aplaudindo e escreveu: “Basta de vilipendiar e zombar da fé cristã”.
Antes disso, a vereadora já havia criticado uma manifestação favorável ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que ocorreu durante o desfile do bloco Então, Brilha!, na manhã de sábado.
Ela afirmou ter acionado o Ministério Público para investigar se houve alguma irregularidade no repasse de R$ 30 mil da prefeitura para o bloco. O repasse foi concedido a dezenas de blocos que preencheram os requisitos do edital municipal — fato que a vereadora omitiu. Vale lembrar que a bandeira do MST é a reforma agrária, um instrumento previsto na Constituição.
Flávia também publicou um trecho da cantora Tati Quebra Barraco se apresentando. “Conteúdo pesado, né, gente? Pois é, é esse tipo de arte que você quer aqui para nossa cidade?”, questionou a vereadora, fazendo o gesto de aspas com as mãos ao dizer a palavra cantora. O objetivo do vídeo era criticar o bloco Seu Vizinho, que convidou a artista e também recebeu verba da prefeitura.
Moralismo carismático
A estratégia da vereadora, que está no segundo mandato, é clara. Ela edita vídeos para chamar a atenção, adota um tom moralista e usa um sotaque mineiro carregado para insuflar seus seguidores, em grande parte alinhados à extrema-direita.
Sua abordagem combina a indignação irônica de Nikolas Ferreira com o uso estratégico do sotaque mineiro — tática semelhante à do governador Romeu Zema (Novo) — que busca passar a imagem de alguém simples e acessível.
Fonoaudióloga de 53 anos, Flávia Borja também é pastora da Igreja Batista da Lagoinha e, antes de entrar na política, foi proprietária de uma escola de educação infantil.
Seu marido, Fernando Borja, com quem é casada desde os 19 anos, ingressou na política antes dela, sendo eleito vereador em 2016. Em 2019, assumiu como suplente o cargo de deputado federal por 120 dias.
Derrotado na eleição de 2022 para a Câmara dos Deputados, ele foi nomeado, em julho de 2023, secretário-executivo de Estado da Casa Civil no governo Zema. Sua indicação veio de Marcelo Aro, guru político da família, que recentemente deixou a Casa Civil para assumir a Secretaria de Estado de Governo.
Financiadores graúdos
À luz do progressismo, as ideias da vereadora podem parecer pequenas, mas sua campanha na última eleição foi financiada por grandes empresários, como o banqueiro Ricardo Guimarães (BMG), Luiz Flávio Pentagna Guimarães (Grupo Carbel), Ricardo Valadares Gontijo (Direcional Engenharia) e Danilo Dornelas Dias (Construtora Sudoeste).
Entre seus projetos nesta legislatura, destaca-se um que busca proibir a execução de músicas do gênero funk em atividades escolares, bem como de outros estilos que contenham “conteúdo sexual, vulgar, obsceno, apologia às drogas, expressões de sentido dúbio, incitação ao crime ou conteúdo degradante explícito”.
Outro projeto visa proibir o uso de símbolos cristãos em manifestações públicas que satirizem ou ridicularizem a fé. A proposta está diretamente relacionada ao episódio do beijo entre os foliões fantasiados de Jesus e Capeta.
Projeto transfóbico
No início da legislatura, outro projeto da vereadora gerou uma das maiores polêmicas da Câmara Municipal até então: a aprovação, em primeiro turno, da proposta que define o sexo biológico como critério para participação em competições esportivas. A decisão provocou protestos de entidades LGBTQIA+, e manifestantes foram expulsos com violência pelos seguranças da Câmara.
A proibição da participação de mulheres trans em competições femininas é apontada por essas entidades como transfóbica. “O que está acontecendo aqui é uma violência, uma retirada de direitos de uma população que nunca teve direitos”, disse, na ocasião, a vereadora Juhlia Santos (PSOL), que é uma mulher trans.
Atravessou o culto
Antes do carnaval, Flávia alertou no plenário que a Frente Parlamentar Cristã estaria atenta para evitar que os blocos prejudicassem o acesso aos cultos religiosos. Durante a folia, os vereadores buscaram evidências de possíveis interferências e encontraram uma: banheiros químicos posicionados ao lado da Igreja Batista Central do Barreiro. O pastor da igreja criticou a situação nas redes sociais, e Flávia compartilhou a reclamação.
Na postagem, a vereadora também afirmou ter protocolado um novo projeto de lei para impedir que blocos carnavalescos fiquem a menos de 200 metros de templos religiosos.
Partidária da beleza
Na véspera do Kandandu — encontro dos blocos afro na Praça da Estação —, a vereadora questionou se cristãos deveriam participar do carnaval. Para influenciar a resposta, editou um trecho de uma entrevista do ex-carnavalesco e comentarista da TV Globo Milton Cunha, em que ele explicava por que há tantas referências ao candomblé na festa.
“A escola de samba é filha, é produto, é tributária do batuque. Então, escola de samba é macumba e acabou”, disse Cunha.
Para rebater a fala, Flávia criticou pensadores como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Michel Foucault, afirmando que os movimentos progressistas “passaram a utilizar o choque estético como forma de contestação”. As críticas foram publicadas em um carrossel de imagens e frases postado por ela na terça-feira (25), antes do carnaval, ao comentar um ensaio da Salgueiro, no Rio de Janeiro.
“A beleza não é apenas uma questão de gosto pessoal, mas um reflexo da ordem, da verdade e do bem”, escreveu.
A cruzada de Dona Loló segue viva
Ao observar a atuação da vereadora Flávia Borja, é impossível não lembrar de Dona Loló Ventura, personagem de Hilda Furacão, livro escrito por Roberto Drummond e adaptado para uma minissérie de sucesso pela TV Globo.
Assim como Dona Loló, que liderava a Liga de Defesa da Moral e dos Bons Costumes e combatia a imoralidade na Zona Boêmia da capital mineira, a vereadora se apresenta como defensora da moralidade e dos valores cristãos.
Mas, em vez de marchar com um terço gigante, como fazia Dona Loló, Flávia Borja utiliza o Instagram para criticar o carnaval, a erotização infantil e outras manifestações que considera ofensivas.
Lava as mãos, prefeito!
Esta Capivara de Paletó tinha informantes no voo Azul 2894, que partiu do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, na tarde da segunda-feira de Carnaval, rumo a Confins. A bordo, estava o prefeito em exercício, Álvaro Damião (União). Ao desembarcar, ele passou no banheiro, fez xixi e saiu sem lavar as mãos.
Escapada sigilosa
Entre domingo e segunda de Carnaval, o prefeito não compartilhou imagens de sua aventura carioca. No entanto, sua página no Instagram está repleta de registros do Carnaval de BH. Postou fotos no meio dos blocos, com Alok, abraçado com garis, batendo tambor e gravou vídeos provocando os prefeitos de São Paulo e Rio de Janeiro — tudo isso, enquanto bebia latões de cerveja da Ambev, patrocinadora master da folia belo-horizontina.
Conversa amena
A presidente da Belotur, Bárbara Menucci, ex-funcionária do marketing da Ambev, foi entrevistada pelo jornal O Tempo. Em quase meia hora de conversa, as jornalistas não questionaram se houve conflito de interesse na escolha de sua ex-empregadora como patrocinadora do Carnaval — assunto que o próprio jornal já havia noticiado.
Lula em Minas
O presidente Lula (PT) visita, pela primeira vez neste mandato, um território ocupado pelo MST. O petista desembarca nesta sexta (7) em Campo do Meio, distante 300 quilômetros de BH, onde assinará o decreto de desapropriação da antiga Fazenda Ariadnópolis, que abrigava uma usina de álcool e açúcar.
Após a falência da usina, em 1996, trabalhadores que não receberam suas verbas rescisórias ocuparam o local. Em 2020, durante a pandemia de Covid-19, a Polícia Militar de Minas Gerais, sob o comando de Zema, realizou uma operação de despejo que durou 56 horas e resultou na demolição de casas, lavouras e da Escola Popular Eduardo Galeano. A assinatura do decreto acontecerá justamente na sede reconstruída da escola.
Palco da maior chacina do século no Brasil, a fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco (PA), também está entre as áreas desapropriadas. Conto mais sobre o assunto em matéria publicada na Repórter Brasil.
Usucapião
Opositor histórico do MST, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), anunciou que fará dupla com o cantor Gusttavo Lima na disputa presidencial de 2026. Ainda sem definir quem será o cabeça de chapa, Caiado parece decidido a invadir o latifúndio de popularidade do sertanejo. Médico e herdeiro de fazendeiro, ele entrou para a política nos anos 1980 ao fundar a UDR (União Democrática Ruralista), organização que reuniu grandes proprietários de terra contra a reforma agrária e, especialmente, contra o recém-criado MST.
Não perca!
Na próxima sexta-feira (14), acontece o lançamento do livro do Projeto Querino em Belo Horizonte. O evento será às 19h, no Teatro Wanda Fernandes (Galpão Cine Horto), localizado na Rua Pitangui, 3613, no Horto.
A entrada é gratuita, e os ingressos serão distribuídos por ordem de chegada, a partir de uma hora antes do evento.
O Projeto Querino é um dos trabalhos jornalísticos mais impactantes dos últimos anos, idealizado pelo jornalista belo-horizontino Tiago Rogero, correspondente do The Guardian.
::Expurgo 15::
Por que ler O Último Sonho (2023 – Companhia das Letras, 190 páginas), de Pedro Almodóvar?
Como já escrevi por aqui, tenho poucas certezas sobre livros. Fixar-se em algo, nem sempre é bom. Melhor é experimentar sempre.
Certamente, porém, ler O Último Sonho, de Pedro Almodóvar, pode ser a melhor experiência tanto para quem é fascinado por seus filmes quanto para quem sequer tem noção do que se passa em Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988) ou A Pele Que Habito (2011).
O livro reúne doze contos e, segundo o próprio autor — que se define aqui como um “fabulador” —, é o que mais se aproxima de uma autobiografia.
Os contos foram escritos ao longo da vida de Almodóvar, nascido em 1949, e transitam pela autoficção, realismo fantástico, comédia e drama.
Os primeiros, de 1967 a 1970, refletem uma fase marcada por sua rígida educação religiosa no “colégio-prisão” dos Salesianos, pela descoberta do desejo sexual e pelas angústias de viver tudo isso sendo um homem gay.
O melhor conto desse período é Vida e Morte de Miguel, escrito há mais de cinquenta anos e, segundo o próprio autor, o único que mereceu revisão antes da publicação do livro. Dizer mais seria arriscar um spoiler de mau gosto, mas afirmo sem medo: esse conto, por si só, já vale o livro inteiro.
Ao lê-lo, sequer atentei para o fato de que Almodóvar ainda não tinha vinte anos quando o escreveu. E mesmo assim pensei: bastaria que ele fosse apenas escritor para que sua genialidade já estivesse escancarada ao mundo. Claro que estou errada, mas vale o registro, só para se ter uma noção do tamanho da sua escrita.
Os contos da segunda fase vibram com a efervescência da Europa e com as transformações na vida e no trabalho do autor a partir dos anos 1970.
O auge desse período talvez seja Confissões de uma Sex Symbol (1979), que introduz Patty Diphusa, uma personagem que sintetiza sua capacidade ilimitada de criar universos femininos. Quem conhece seus filmes reconhecerá esse traço imediatamente.
O livro provoca desejo e repulsa, faz rir muito e, às vezes, chorar. Eu reli vários trechos, impressionada com a construção das frases e parágrafos.
É interessante notar como, na terceira fase dos contos, Almodóvar constrói um dos elementos mais marcantes de sua obra: a relação com sua mãe, a orfandade após sua morte e o reconhecimento de como ela influenciou não apenas sua paixão pela leitura e pela escrita, mas também sua visão sobre a ficção.
A obra equilibra contos mais longos e outros bem curtos, garantindo uma leitura fluida e envolvente.
Alguns são divertidíssimos, como A Cerimônia do Espelho, protagonizado por um vampiro em um convento. Outros despertam sentimentos difíceis de nomear, como A Visita e A Redenção — este último narrado pelo carcereiro de Jesus e Barrabás, sobre um romance entre os dois prisioneiros.
Ler Almodóvar nas próximas semanas pode ser um expurgo necessário para nos manter, de alguma forma, com a melhor fantasia até fevereiro do ano que vem.
Daniel, vejo com muito receio essas movimentações do poder público e o financiamento do carnaval de BH. Receio que em breve a segregação vai tomar conta: pra cá, blocos patrocinados com a grana dos editais desfilando nas avenidas sonorizadas, vendendo cerveja da multinacional da vez; pra lá, os que estarão comprometidos com o caráter verdadeiramente popular, de ocupação da cidade, de esbórnia política e tal. Aliás, não é coincidência que tivemos essas aberrações junto com o primeiro desfile de um bloco evangélico pregando o fim do Carnaval, pra orgulho de Flavia Borja
Adorei saber deste bastidor e fiquei curiosa em ler o livro do Almodovar.
Nao leio muito livro de contos e acho que pode ser um ótimo começo!
Vocês arrasam! Bjos da fã, Lívia